Alterações no Código Civil: O que podemos esperar?
Em abril de 2024 foi concluído o anteprojeto de atualização do Código Civil, elaborado por uma comissão de notáveis juristas, presidida pelo Ministro do Superior Tribunal de Justiça Luís Felipe Salomão, e entregue ao Senado Federal com a proposição de significativas mudanças no texto de uma das mais importantes normas consolidadas da nossa sociedade, instrumento de extrema relevância para a advocacia e para todo o sistema de justiça.
Na foto: Kleidson Nascimento e o ministro Luis Felipe Salomão, presidente do STJ.
O Código Civil destina-se, de modo geral, a regulamentar as relações pessoais e patrimoniais, desde antes do nascimento até após a morte, tratando de direitos da personalidade, relações de parentesco, família, herança, posse, propriedade, contratos e empresas, E embora o Código Civil atual seja de 2002, com algumas dezenas de alterações ao longo dos anos, baseou-se num anteprojeto de 1972, anterior, portanto, à Constituição Cidadã de 1988, atrelado uma disciplina antiquada para os tempos atuais, com normas muitas vezes desconectadas das necessidade sociais do século XXI.
Entre as mudanças propostas, tem-se a chamada diretiva antecipada de vontade, que permite à pessoa declarar qual o tratamento ou intervenção cirúrgica deseja ou não realizar em caso de incapacidade futura, permite indicar quem tomará decisões sobre a saúde e até mesmo vir a exercer a sua curatela. Há ainda uma modernização das normas de família e sucessões, reconhecendo-se explicitamente todas as formas de família, refletindo a diversidade das estruturas familiares contemporâneas, além eliminar desigualdades e discriminações históricas entre casamentos e uniões estáveis.
Há uma série de alterações propostas para o direito empresarial, para atender às demandas do mercado atual, como a responsabilidade ambiental das empresas, a adoção de práticas mais sustentáveis, bem como a almejada desburocratização. No direito contratual, propõe-se a simplificação dos processos, adaptando-se às novas demandas econômicas e tecnológicas, com os termos e assinaturas digitais, mais seguros e eficientes.
Como proposição inédita, o anteprojeto traz um livro dedicado ao direito digital, interligado aos demais livros do Código, abordando questões relacionadas à herança digital, como as contas de redes sociais, de e-mails e programas de milhagem, à penhora de criptomoedas, além de adaptações às novas realidades tecnológicas, visando garantir que os direitos digitais sejam protegidos de maneira adequada.
Com mais de vinte anos de exercício da advocacia e há mais de quinze anos como professor de direito civil, compreendo que a atualização proposta vem em boa hora, com a incorporação de diversos entendimentos já consolidados na jurisprudência dos tribunais superiores e majoritários na doutrina civilista, mesmo toda propositura seja passível de ajuste.
É importante ampliar o debate e acompanhar a tramitação do projeto no Congresso Nacional, para aperfeiçoá-lo e garantir que as mudanças a serem aprovadas de fato tornem o exercício de direitos mais simples, acessível e efetivo, com a proteção de direitos individuais aliada ao respeito aos direitos humanos, aos interesses metaindividuais e coletivos, de forma a projetar a nossa sociedade atual, com sua complexidade e pluralidade, a um futuro de maior autonomia, inclusão e cidadania.
Por: Kleidson Nascimento - Advogado, pós-doutor em Direito, professor universitário, e procurador do Estado.